NAKBA
(palavra árabe que significa “catástrofe”)
À memória de Amal Hussain
Talvez fosse fácil encerrar o dia,
a ouvir o Caiman Islands à mesa do café,
com vista para a Nídia da papelaria, com vista
para os miseráveis viandantes, como diria Yourcenar.
Oratória e paciência – traçar durezas:
álcool, drogas, sal, açúcar,
nestes rostos de miséria avulsa.
Mas, chega-me à berma dos olhos
a morte de uma criança faminta,
nos braços de sua mãe que diz:
“– O meu coração está partido”.
Nakba agiganta-se em bombardeios,
pesadelos, gritos…
Talvez fosse fácil encerrar o dia,
se não fora a negra fome,
este apelo triste e repetido,
a dor humana mais terrível.
Talvez fosse fácil fechar os olhos,
se, de alguma forma, conseguisse
evitar a tragédia dos que sobrevivem.
Restauraria, só com um perdão,
a nossa injusta e cega humanidade?
Amal, o coração do mundo é um jazigo.
ENTRANHAS
Fala com as tuas entranhas,
com as tuas células,
com os teus átomos conscientes.
Fala com o universo
dentro do teu corpo,
como se foras um deus.
Fala e promete-lhes a incerteza,
o mistério, a descoberta.
Fala contigo mesmo,
ó estranho contentor
d’existências
à procura de saber
quem és e para onde vais.
Se falares contigo,
não o farás autenticamente.
Não te é permitido separar
o inseparável,
nem dividir
o indivisível.
Pensa que estás só
em frente a um reflexo apurado
onde bate o Sol frio de Outono.
Pensa e erra, por não viveres
em cada partícula que em ti se abate.
Por cada tristeza que lhe sopras,
como danado e inquieto vento,
despem-se as árvores dos teus bosques.
Também nunca esperes
encontrar respostas
nas profundidades
do teu íntimo oceano.
Nesses abissais momentos,
o melhor é escutar búzios,
perceber de ressonâncias e ecos,
entender perfeitamente o som
que tudo é capaz de ter.
Assim, libertando-te de ti mesmo
e de quem em ti te prendeu,
farás o favor ao multiverso
de cuidares de outros seres,
para além do “eu”.
PRESENÇAS
Poucas vezes nos tocam anjos no ombro,
Ou palavras de conforto invisível.
Poucas vezes nos segredam o inaudível,
Poucas vezes cintilam versos de assombro.
Prezo ouvir esses sons, tão transcendentes
Como as galáxias onde viajamos:
Não sei o que dizem, porém, presentes;
Chão de ilusões no escuro que amamos.
De repente, já se passaram anos
E, nesse intervalo, vimos cometas,
Eclipses, asteroides, meteoritos.
Vimos e não vimos, nada criamos,
Se não tocados por vozes, profetas,
Infinitos, deuses, sonhos e mitos.

Marília Miranda Lopes was born in Porto in 1969 and is a member of the Portuguese Society of Authors and the Portuguese P.E.N. Club. She graduated in Modern Languages and Literature from the Faculty of Letters of the University of Porto. She is a professional Portuguese language teacher for the 3rd cycle of primary and secondary education. She received a scholarship from the Fine Arts Department of the Calouste Gulbenkian Foundation, under the Portuguese Dramaturgy program. She is the author of several songs for children, in plays performed by Filandorra-Teatro do Nordeste. To date, she has written Poesis em Oásis (Poetry, author’s edition, 1990), Framboesas (Theatre for children, author’s edition, 1996), Geometria (Poetry, author’s edition, 1998); Templo (Poetry, Tellus collection no. 10, Vila Real City Council Culture Services, 2003); Duendouro – Era uma vez um rio… (Theatre, Edições Afrontamento – book included in the P.N.L., 2007), Castas (Poetry, editions Cadernos Q de Vien de A Porta Verde do Sétimo Andar, Spain, 2012), Victorianas (Poetry, Editora Labirinto de Letras, 2015), Castas – 2ª edição bilingue (Ianua Editora, Spain, 2019), Procura a Ática (Editora Labirinto, 2020) and Os Electrões também devem ter alma (Editora Exclamação, 2021).She has participated, with poetry and prose, in literary magazines and anthologies, both in Portugal and abroad. She has promoted Portuguese poetry in various cities through a poetic-musical concert called “Ondular a voz”, where she also performs the songs she writes.
