Joana de Bastos Rodrigues

Não cabe em mim dizer:

as copas das árvores

exalam a abrunhez cítrica

da tua falência

em dias assim é impossível

respirar fundo

tudo o que resta

a orientação laminar

ao sítio onde caem os teus olhos

esperar pelo ninho

saído da terra

– Qual a posição da cabeça que pende?

– Para sempre.

Ainda há quem acorde

para um novo dia

a engendrar fogueiras

de vozes ardidas

até ao tutano das onomatopeias

figuras de som entranhadas

fósforos também os que ouvem

perante isto

não suporto

escrever a imagem

do teu azul nascido das chamas

cresce em pedra na minha garganta

tento cuspir a boca que não faz jus

– como poderão existir fogos diferentes

se deixamos de respirar da mesma forma?

(ou se eu engolir o azul

talvez me transfigure em objecto

e seja mais humana

entre materiais).

– Cheguei.

De todas as vezes

a terra que me acode à boca

pergunta

os teus órgãos calados

não sei

em que palavras pousar

o pedaço de pão que estendo

mas também não sei

se me comove mais

o pequeno pássaro morto

ou o véu que cobre a cabeça

para guardar-lhe o perfume

por mais tempo – também é belo –

só sei que

quando chegas muitas vezes

é porque não queres perder a mão

às plantas

e se bem me lembro

é assim que se mede

onde assentar.

LEI DA INÉRCIA

Gravidade da situação:

a ausência sistemática

é sinal de que se está a ser

outra coisa noutro lugar

por exemplo

qualquer pessoa extinta

no sofá

é um núcleo duro de ferro e

replica o constante

afundamento até ao início

– somos

invariavelmente

a todo o momento

um corpo de distância ao centro da Terra.

NÚMEROS NATURAIS

Num ano

uma mulher

matou vinte e duas galinhas

perdeu dez quilos

apanhou várias alergias

e amou dois cães.

Joana de Bastos Rodrigues was born in Lisbon in 1984. She has a degree in Cinema from the Escola Superior de Teatro e Cinema and attended the Sorbonne Nouvelle – Paris III (Erasmus). In 2010 she completed her master’s degree in Communication and Arts at the FCSH of Universidade Nova de Lisboa under the supervision of professors Teresa Botelho and José Manuel Costa with a dissertation on contemporary Native American cinema.

Her experiences in different areas of film production include assisting American director Jeff Lipsky on the feature Once More with Feeling (New York, 2009), editing the film The Last (New York, 2019) by the same director, and a professional internship under the guidance of Brazilian director Marcelo Galvão (São Paulo, 2011).

As a director and screenwriter, her short films include TOMFL – Test of Movement as a Foreign Language (Quai de la Batterie gallery, Arras, France, 2010), the triptych Trailers de Não-Filmes (Director’s Cut Section, Indielisboa Festival, Lisbon, 2013) and the documentary No Laboratório da Via Láctea (Espaço Mira gallery, Porto, 2015). In 2016, she directed the play Porta Aberta in television format for RTP2. For the same channel, she also directed two seasons of the information series ABC Direito and, in 2020, the fiction series Lisboa Azul. In 2020 she adapted theatrical texts for the screen – the latter as part of the experimental television series Cassandra, directed by Nuno M. Cardoso, of which she directed two episodes. It was also in 2020 that she published her first book of poetry Dos Nomes, As Outras Palavras, through the Exclamação publishing house. In 2021, she co-directs the third season of the series O Clube – nominated for a Golden Globe for Best Fiction – for Opto / SIC. In 2022 and 2023 she dedicated herself to writing and script consulting, participating in series projects for Portuguese channels. In December 2024, her second book of poetry will be released by Fresca / Poetria.