CLARAMENTE A NOITE.
Inflamável instante onde sou todas as estrelas
a cair para dentro de si e é essa a beleza possível
e absoluta a que aspira toda a ruína, passada ou futura,
O fracasso das palavras — escorregadias bordas do vazio,
onde as dores se quebram nas articulações;
As espinhosas cavernas da linguagem a espelhar o mistério
— nenhum ofício, arte nenhuma;
Todo o caos navegando à bolina pelas artérias e pelas perdas patrimoniais, até aos confins do acaso;
:assim crescem os deuses de tamanhos e hierarquias várias,
sob a minha língua — lago de cristal para patinagem artística.
Luzidia lucidez imberbe, a fingir-se domada
pelos princípios — moralidade cómica —
quando tudo é finado.
Delírio insone, adocicado pela memória do fruto
antes da árvore e do peso das vozes.
Ainda se ouvem os aplausos.
Há sempre um que teima em resistir.
A alegria a embalar o trauma, a ferida
sorri
em poço.
Claramente, no fundo.
A razão servida como entrada ou mero
divertimento bobo.
Os vasos alinhados à janela, cantam o espanto.
Os animais em volta, compõem o pranto.
Fragmentos de crianças em redor — a magia
e o terror bailando. Ecos da montanha.
Os deuses foram à praia — a casa está sozinha —
fazem castelos às claras. As mães partiram de mão dada
às estrelas. A ilha e a nuvem são a ilusão uma da outra.
As filhas prometem-se à esperança — o primeiro esgar
da ruína.
Algumas aprendem a trepar à árvore e eu sinto inveja.
Tão inútil quanto a medicina ou a arquitectura.
A verdadeira arte é o fingimento.
Planto uma lágrima no coração da terra.
E rio, até me afogar,
Claramente, continuo
Há máquinas lá fora a esmagar o tempo dentro da minha
cabeça
e vozes que caem sobre ela, rezas inúteis que aclaram
a idolatria dos necessitados, viciosos da ascensão.
A terra basta-me.
A queda é permanente
e morna.
Desejo e prazer confundem-se em violência tolerada,
lambendo-me a carne em chagas — fogo prematuro
de um fim possível
que se afunda, em golpe rápido e certeiro, no tecido
mole das expectativas.
Se soubesse gritar, gritava.
Se pudesse gritar, deixava-me dormir, certo do assombro.
E corria, pelo corredor da noite afora, a mostrar a língua embriagada aos amedrontados do vazio e do absoluto.
E ria, muito. Sem parar. Até a dor ser insuportável.
E, assim, me extinguir
sob a tragédia da manhã.
Ainda aqui estou.
Fracasso sobre fracasso.
Ruína de todas as fantasias.
Estendo a minha mão em direcção a ti,
atravesso a montanha em forma de pensamento,
procuro-te
e nunca estou.

© José Cruzio
João Pedro Azul. Vila do Conde (1972); Creator and editor of the magazine Flanzine and the publishing house Flan de Tal; Published, in 2020, the poetry book “Um Cavalo Sentado à Porta”; in 2015, together with the illustrator João Concha, the “Livro do Amo” (National Plan of Reading); and, in 2021, “Um Palerma Entre Num Bar e Não Vê o Elefante”, with illustrator Ricardo Abreu. He is also a founding member of Cabe Cave – Associação Cultural, with which he promotes aMOSTr – Mostra de Edições Independentes, in Vila do Conde.
