Aurelino Costa: 3 Poemas Inéditos

I

uma lança enorme

Talvez um dia eu seja

fala revestida a fogo

facto, penetrando a eternidade.

A meu lado um leão e uma cobra

em força sedestre.

No patamar do

escuro articularei teu nome:

um Deus revestido de murta e de

ar sacrílego prostrado ante mim

balouçando na quietude suplicante

dos degraus que se opõem à mansidão

do cosmos.

Mais tarde, num arder purificante

chamarei por minha mãe, e lhe direi:

Teu filho e teu amante escurece na

negrura da luz e reza diante do forno

três ave-marias, que em nada se assemelham

aos teus cânticos de virgem macerada

e deposta na pedra da lareira

onde infringiste a lei, e, acabaste,

por pedir socorro a quem contigo

se cruzava.

Então forrada de anjos

e já em ascensão recordarás do velho

besugo o cheiro da carne por entre o fogo.

Respira, meu amor, enquanto adorno a cabeça

com folhas de louro de um cheiro intenso de

modo a produzirem o exorto de teu peito

onde um coração bate, tão lentamente,

que o sangue escorre de teus lábios,

como se teu corpo, tivesse sido atravessado

por uma lança enorme.

II.

Morrer sempre também cansa

Rastejar a penumbra

como quem jaz roído

pela côdea da memória

entorpecilhos os passos

se chamam de fora.

Pesado vagar em roço

pelo asfalto das brancas

rendições da submissão à dureza

onde estaca o cavalo

absorto na ranhura,

um destino

variando o bote em bot

o embotado duro

que dura, perdura.

O espelho do minguante quarto

homologa as escaras,

as escaravelhas de KafKa

neste Fahrenheit 451, só a gravilha ouve

como não se respira

JGF, Morrer sempre também cansa!

III

À Maria Teresa Horta



Um pavio nos olhos de mini-saia, no acoito,
maresia aspergindo o inspirar
junto ao sal, eurídice sem orpheu

Na fala e escrita do corpo, o rasgo dos eclipses
das luas e das faluas, lupus in fabula

mons veneris pelo corredouro dos audientes,
livração do êxtase acopulado na sede

resgata-te da febre que enlouquece os corpos de propósitos,
alimenta-te da carne indiscernível
das hormonas que brotam enfrentando o estrondo.

Foi.

O quedante holograma é prensa de abadessa,
uma virgem póstuma acaba de nascer.

*

Aurelino Costa

Born in Argivai, Póvoa de Varzim / 1956.

Poet and reciter, graduated in Law from the Faculty of Law of the University of Coimbra.

Works: Poesia Solar, ed. Orpheu, Lisbon, 1992; Na Raiz do Tempo, ed. Tema, Literary Department of Soc. Guilherme Cossoul, Lisbon, 2000; Pitões das Júnias, ed. Fluviais/Lisbon & Galeria Arcana, Pontevedra, 2002; Amónio, ed. Do Buraco, Literary Department of Soc. Guilherme Cossoul, Lisbon, 2003, 2nd edition (bilingual, Spanish-Portuguese) translated by Sílvia Zaias, ed. Amalaia, León, 2006; Na Terra de Genoveva, ed. Do Buraco, Literary Department of Soc. Guilherme Cossoul, Lisbon, 2005.

Anthologies: A Poesia é Tudo, ed. Francisco Guedes, 2004; Na Liberdade – 30 anos – 25 Abril, Garça Editores, Lda., Peso da Régua, 2004; Vento – Sombra de Vozes / Viento – Sombra de Voces, Iberian Poetry Anthology, 2004; Son de Poesia, ed. Fluviais, Lisbon & Livraria Couceiro, Galicia, 2005; Os Dias da Criação, ed. Leader/Adrat, Trás-os-Montes, 2006; Canto de Mar / poetry about Nazaré, ed. Library of CM Nazaré, 2005; Cântico em Honra de Miguel Torga, Coimbra Editora, 2007.

Discography: Na Voz do Regresso, commemorative edition for the Centenary of the Birth of José Régio, ed. Municipality of Póvoa de Varzim, with Maestro António Victorino D’Almeida, 2001; Confluência (CD – Audio), ed. Asa, 2002; Torga na Portagem, commemorative edition for the centenary of the poet’s birth, Coimbra, with António Victorino D’Almeida.

Collaboration/narration in Miguel Cervantes & las Músicas del Quixote, with Hespérion XXI, under the direction of Jordi Savall, 2006; collaboration/reciter in the recital Música e Poesia, with António Saiote (clarinet) and Iwona Saiote (flute); participation/reciter in the films Olhar Coimbra and Olhar o Mar, produced by Didacthèque de Bayonne, with the support of the European Community (language program). 1993/1995.

Cinema: actor in Netto e o Domador de Cavalos, by Tabajara Ruas, Rio Grande do Sul, Brazil.

Television: collaboration in the series Pianíssimo (2006) and Sons do Tempo (2007), RTP1, by António Victorino D’Almeida.