Fernanda Drummond

decidi fazer uma coisa

absolutamente revo

lucionária: obedecer

à minha própria regra

SABIÁ-LARANJEIRA

A primavera estende suas folhas

o verde vai de repente tomando conta dos cenários

Há pássaros que nunca ouço

porque a estação é destemperada

o sabiá-laranjeira estoura as caixas de som

ato contínuo, uma flauta solo em plano

sem cortes toma também a tela

Os poetas noutras terras teriam outras formas

de dizê-lo ainda

assim digo numa fissura o que me interessa:

há canções dominadas por trinados

outras são de engate, outras sons exilados

No verde novo alcançado

da primavera errante

nunca ouço o laranjeira, avifauna

flamejante que ainda avista as palmeiras

já extintas da rua da Saudade

Fir quer dizer abeto quer dizer aquele

que Fiama evoca com o corpo

ajoelhado no chão

feito de matéria tal

que talvez descrevesse também

qualquer madeira transfigurada

Recolho dessa imagem o parentesco

já perdido entre madeira

e matéria

um pedido de desculpas à madeira

desfeita em abeto, presente assoalho

quando você pisa nele:

piso um – rio que corre ao lado do abeto

piso dois – o da tábua corrida.

HIPÓTESES DE UM VERÃO OBSERVÁVEL

Os poemas que tu fazes observam

como se fosse possível a aragem

quente com em média 31 graus

como naquele romance já lido

O vento provoca um som na folhagem

com o uníssono das roucas cigarras

o que me dá a impressão do instante

quem sabe quando chegar o inverno

não terei de fato imensa saudade

do instante, do som, da poeira intensa

do verão mas não é dele que falo

da álgida mão desse futuro inverno

e sim daquele vértice errado

da mesma estação em que te perdi

Parte da vida me encontrei dedicada

a ler melhor

ler mais

e devagar

não me enganar

não provocar noutros o engano

não me trouxeram nem cetro nem coroa

nem tão cedo mos trarão

é o que diz a lição

de Saturno o grande

quando tudo dói

sobretudo a

tua ausência

Fernanda Drummond is a poet, translator, and proofreader. She is particularly interested in poetry written by women. Her texts have been published in initiatives such as Revista Lote, A Morte do Artista, and Direito de Resposta. In 2023, she published Muralha with Urutau Publishing.