Marta Pais Oliveira

Tamborilando

A voz como que saída de uma funda fenda

os olhos encobertos por uma alva renda

dedos tamborilandono baixo ventre

deuses tamborilando

no baixo ventre.

Sótão

Fechava os olhos lenta

mente para não fazer vento

havia atrás da imagem o 

espelho da imagem

cheirava a um armário

fechado há tanto tempo

quer dizer, há tanto

tempo não era aberto □

abria os olhos lenta

mente para não causar susto

a chuva miudinha

miudinha a chuva

havia tanto texto

a sair daquele rosto.

O Mestre falou no Século XXI

Antes de se poderem aproximar de Pitágoras, diz a lenda 

os discípulos eram sujeitos a rigorosas regras alimentares e higiénicas 

que a sagrada palavra precisa de um corpo purificado e ritualizado 

ou por outras palavras — menos sagradas

a seita alucina melhor no silêncio, na solidão e na fome 

II

Ele torna claro

o obscuro

III

E sobre cobrar a palavra

primordial 

que questão levantais?

também Ele precisa de comer

mas sobretudo: diversificar a carteira de investimentos.

Ouvi que

Ao cravo é preciso

segura-lo junto à flor

que o peso do sonho 

não amparado pode 

quebrar 

o

caule.

Pausa para

Nenhuma linha de água a une: “Diz-me, qual é o teu sonho?” anda atrapalhada com uma certa forma de nuvem — disforme que tudo se resume a fazer uma grande confusão e o resto do tempo a limpar essa grande confusão bem limpinha certinha no entanto dito de outro modo prefere o desassossego vinte e quatro horas diárias desse exigente emprego. Há o certo olhar embarcadiço, o perfume de areia, a seminal dúvida se essa mão é essa mão e a quem pertence, afinal, esta mão qualquer num lugar qualquer de penumbras. Clarões são? Acorda os pássaros. Faz a datação de fragmentos ósseos, estuda o embate dos astros onde rodaram rodaram: vai de belo a hediondo o trajeto da luz. É tão dissonante quando alguém — numa pausa para […] — quer realmente saber a resposta e mede forças2 com o silêncio. Era mais isto que queria dizer. “Assim de repente? Não sei se sei.” A festa a gesta a chamar. Mas sem desejo — trapos de vácuo.

Marta Pais Oliveira is the author of the novels Escavadoras (2021, Agustina Bessa-Luís Literary Revelation Prize) and Faina (2024).

She writes fiction, poetry and texts for opera and theater.

She believes in the power of the word and the free imaginations it opens up.