Tamborilando
A voz como que saída de uma funda fenda
os olhos encobertos por uma alva renda
dedos tamborilandono baixo ventre
deuses tamborilando
no baixo ventre.
Sótão
Fechava os olhos lenta
mente para não fazer vento
havia atrás da imagem o
espelho da imagem
cheirava a um armário
fechado há tanto tempo
quer dizer, há tanto
tempo não era aberto □
abria os olhos lenta
mente para não causar susto
a chuva miudinha
miudinha a chuva
havia tanto texto
a sair daquele rosto.
O Mestre falou no Século XXI
I
Antes de se poderem aproximar de Pitágoras, diz a lenda
os discípulos eram sujeitos a rigorosas regras alimentares e higiénicas
que a sagrada palavra precisa de um corpo purificado e ritualizado
ou por outras palavras — menos sagradas
a seita alucina melhor no silêncio, na solidão e na fome
II
Ele torna claro
o obscuro
III
E sobre cobrar a palavra
primordial
que questão levantais?
também Ele precisa de comer
mas sobretudo: diversificar a carteira de investimentos.
Ouvi que
Ao cravo é preciso
segura-lo junto à flor
que o peso do sonho
não amparado pode
quebrar
o
caule.
Pausa para
Nenhuma linha de água a une: “Diz-me, qual é o teu sonho?” anda atrapalhada com uma certa forma de nuvem — disforme que tudo se resume a fazer uma grande confusão e o resto do tempo a limpar essa grande confusão bem limpinha certinha no entanto dito de outro modo prefere o desassossego vinte e quatro horas diárias desse exigente emprego. Há o certo olhar embarcadiço, o perfume de areia, a seminal dúvida se essa mão é essa mão e a quem pertence, afinal, esta mão qualquer num lugar qualquer de penumbras. Clarões são? Acorda os pássaros. Faz a datação de fragmentos ósseos, estuda o embate dos astros onde rodaram rodaram: vai de belo a hediondo o trajeto da luz. É tão dissonante quando alguém — numa pausa para […] — quer realmente saber a resposta e mede forças2 com o silêncio. Era mais isto que queria dizer. “Assim de repente? Não sei se sei.” A festa a gesta a chamar. Mas sem desejo — trapos de vácuo.

Marta Pais Oliveira is the author of the novels Escavadoras (2021, Agustina Bessa-Luís Literary Revelation Prize) and Faina (2024).
She writes fiction, poetry and texts for opera and theater.
She believes in the power of the word and the free imaginations it opens up.
