Francisco Guita Júnior

Poemas de “Azul Molhado” e “Cãibra: Poemas Políticos”

/1

na segunda gaveta

está sobre outras coisas que ficam

um guardanapo de papel dobrado em dois

e dentro

o silêncio de duas palavra

fazemos escolhas

fiz sempre o caminho em contramão

para encontrar outro sentido ao caminho

o chão pisado quase

tem mais amparo e o lado de lá

das pedras não sabe a vocação

dos homens

dobro em dois

o tempo que desbota

deixo a gaveta

entreaberta

e então

fazemos escolhas?

in As Coisas do Morto, Ed. Gala-Gala, 2024

/18

por que o silêncio murcha

as flores que depõem sobre

as campas lívidas e frias?

para que dor vos servem

as flores?

in As Coisas do Morto, Ed. Gala-Gala, 2024

Azul Molhado 12.

que fizeste às perguntas para o que a vida te diz?

(inédito)

Azul Molhado 15.

as árvores

quando as folhas se vestem de outono

vão tomando a alma aos pássaros

para se darem ao tempo

para sempre

o corpo é de onde se morre

(inédito)

Cãibra .xiii

poemas políticos

sobre cães

quero um cão

um cão robusto capaz

um cão com coragem de fazer inveja a qualquer

mas qualquer medo

um cão a sério

não um cão-polícia

a raiva da polícia já tem dono

e o dono teme que cada dia seja o último

não

pensando bem já não quero

um cão

os cães

é como fumar viciam

(inédito)

Cãibra .xiv

poemas políticos

genocídio

repousa a angústia em câmara-ardente

velas em redor do silêncio impaciente

da morte que não cessa a qualquer momento

pode a raiva levantar-se e o pânico encarnar o grito

impotente a esperança e o que sobra de mim

aguarda o nada os homens já não sabem milagres

pode o fogo de mais uma bomba o aço de uma rajada

ciente de matar

chacinar as próximas mil e uma crianças já órfãs

seguram-me as paredes trémulas

desse silêncio cabisbaixo

em gaza não há poemas para embalar os meninos

da insónia e da fome

nem quem lhes defenda a infância porque perdida

antes que o ódio que fermento também me mate

quero uma espingarda mãe

dá-me uma espingarda carregada de luz

(inédito)

Francisco Xavier Guita Júnior (Inhambane, March 14, 1964) is a Mozambican poet.
He created the literary newspaper Xiphefo, published from 1987 onwards, which brought together Mozambican authors of his generation, marked by the Mozambican Civil War. In 1997, he published his first book, O Agora e o Depois das Coisas (The Now and the After of Things). He won the FUNDAC Rui de Noronha Revelation Prize (1999) and the TDM Telecommunications of Mozambique Poetry Prize (2001).
In 2006, he compiled in a single volume (The Essential Aromas) the poems previously published in Da Vontade de Partir (Of the Will to Leave) and Rescaldo (Aftermath). The work was also published in Spanish in 2010. He is also the author of Chão e Outras Arritmias (Ground and Other Arrhythmias) and Da Pele do Rosto / A Coisa do Tempo (The Skin of the Face / The Thing of Time). The poems included here are unpublish and are part of the projects: “Cãibra. Poemas Políticos” and “Azul molhado” with the exception of the first two, included in: “as coisas do morto” (2024)