Poemas de “Azul Molhado” e “Cãibra: Poemas Políticos”
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na segunda gaveta
está sobre outras coisas que ficam
um guardanapo de papel dobrado em dois
e dentro
o silêncio de duas palavra
fazemos escolhas
fiz sempre o caminho em contramão
para encontrar outro sentido ao caminho
o chão pisado quase
tem mais amparo e o lado de lá
das pedras não sabe a vocação
dos homens
dobro em dois
o tempo que desbota
deixo a gaveta
entreaberta
e então
fazemos escolhas?
in As Coisas do Morto, Ed. Gala-Gala, 2024
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por que o silêncio murcha
as flores que depõem sobre
as campas lívidas e frias?
para que dor vos servem
as flores?
in As Coisas do Morto, Ed. Gala-Gala, 2024
Azul Molhado 12.
que fizeste às perguntas para o que a vida te diz?
(inédito)
Azul Molhado 15.
as árvores
quando as folhas se vestem de outono
vão tomando a alma aos pássaros
para se darem ao tempo
para sempre
o corpo é de onde se morre
(inédito)
Cãibra .xiii
poemas políticos
sobre cães
quero um cão
um cão robusto capaz
um cão com coragem de fazer inveja a qualquer
mas qualquer medo
um cão a sério
não um cão-polícia
a raiva da polícia já tem dono
e o dono teme que cada dia seja o último
não
pensando bem já não quero
um cão
os cães
é como fumar viciam
(inédito)
Cãibra .xiv
poemas políticos
genocídio
repousa a angústia em câmara-ardente
velas em redor do silêncio impaciente
da morte que não cessa a qualquer momento
pode a raiva levantar-se e o pânico encarnar o grito
impotente a esperança e o que sobra de mim
aguarda o nada os homens já não sabem milagres
pode o fogo de mais uma bomba o aço de uma rajada
ciente de matar
chacinar as próximas mil e uma crianças já órfãs
seguram-me as paredes trémulas
desse silêncio cabisbaixo
em gaza não há poemas para embalar os meninos
da insónia e da fome
nem quem lhes defenda a infância porque perdida
antes que o ódio que fermento também me mate
quero uma espingarda mãe
dá-me uma espingarda carregada de luz
(inédito)

Francisco Xavier Guita Júnior (Inhambane, March 14, 1964) is a Mozambican poet.
He created the literary newspaper Xiphefo, published from 1987 onwards, which brought together Mozambican authors of his generation, marked by the Mozambican Civil War. In 1997, he published his first book, O Agora e o Depois das Coisas (The Now and the After of Things). He won the FUNDAC Rui de Noronha Revelation Prize (1999) and the TDM Telecommunications of Mozambique Poetry Prize (2001).
In 2006, he compiled in a single volume (The Essential Aromas) the poems previously published in Da Vontade de Partir (Of the Will to Leave) and Rescaldo (Aftermath). The work was also published in Spanish in 2010. He is also the author of Chão e Outras Arritmias (Ground and Other Arrhythmias) and Da Pele do Rosto / A Coisa do Tempo (The Skin of the Face / The Thing of Time). The poems included here are unpublish and are part of the projects: “Cãibra. Poemas Políticos” and “Azul molhado” with the exception of the first two, included in: “as coisas do morto” (2024)
