Se um dia partires,
leva só
o que de nós
for leve.
Meu riso
preso no teu colo.
Meu cheiro
na tua memória.
Meu olhar
teu abrigo.
Não carregues
promessas.
Deixa-as.
Pesariam
demais,
até para nós.
Leva os instantes
que nos salvaram.
Os silêncios
que diziam tudo.
As mãos
que se buscavam
como se soubessem
o caminho
há séculos.
Quando fores,
amor,
faz da minha lembrança
um refúgio sereno
para quando o mundo
te doer
demais.
Mas não voltes
por pena.
Não me busques
por culpa.
Não te quero
assim:
meio,
metade.
E se tivéssemos ficado?
Se eu tivesse estendido a alma
e tu, com mãos trêmulas,
a tivesses aceitado?
Talvez hoje
tivéssemos uma varanda,
um silêncio confortável
entre livros,
cafés meio frios,
e o calor da rotina.
Talvez,
um domingo a mais,
um medo a menos.
Eu teria aprendido
a dobrar tuas ausências
com cuidado,
sem perguntas.
Tu, talvez,
descobrisses
que nem toda liberdade
precisa voar sozinha.
Mas roçamos o quase.
E há luas
em que o “quase”
pesa mais
que o nunca.
E se algum dia
te perguntarem
o que fomos,
diz apenas:
dois
que quase
foram tudo.
Teu nome mora aqui,
na poltrona
que recusa
outro corpo,
no vinil riscado
das nossas músicas.
És meu pensamento
sem chamar-te,
ecoas no vento.
As lembranças,
gritos sussurrados.
Os beijos,
teimosos,
se negam ao esquecimento,
como versos
espalhados no papel.
Às vezes,
um cheiro,
um som,
uma tarde nublada
e lá estás,
inteiro,
presente,
como se nunca
tivesses partido.
A saudade,
sem decoro,
invade,
toma o sofá.
Eu deixo.
É bom saber
que ainda te amo
um pouco mais
a cada ausência.
Como esquecer-te,
se toda vez que ensaio partir,
teu sopro me alcança,
como perfume antigo
perdido no vento?
Tento trancar-te,
mas tu escorres
pelo canto da boca,
pelos olhos
que negam.
Teus ecos repisam os corredores,
desbotam a tarde,
molham o chão
que piso em silêncio.
Sou presa tua,
como marca na pele
que esqueceu o ferrete,
mas nunca a queimadura.
Como resistir-te,
se mesmo calado,
me roubas o passo,
o rumo,
o sono?
De mim,
nunca partiste.
És sombra assentada
no entalhe dos dias.
Permaneces,
intacto,
como saudade antiga,
como lágrima que não desce,
como oração sem altar.
Chovia
dentro dos
meus olhos.
Teu rosto,
um vulto,
uma oração
desfeita no vazio.
O último beijo
era feito de ausências,
de sonhos
que nunca nasceram.
Teus lábios
tocaram os meus
como quem sabe
que o amor
também dói.
Meu peito
se abriu em silêncio,
como terra exausta
depois da chuva,
sem frutos,
sem flores,
apenas o eco
de uma promessa esquecida.
Fecho os olhos
e o gosto
da tua boca
arde
como vinho antigo,
esquecido
no claustro dos dias.
Se me perguntas
se te esqueci,
eu sorrio
e sangro.

Hera de Jesus was born in Maputo, Mozambique.
Between 2013 and 2017, she participated and received awards in international poetry competitions. Her work has been published in the anthologies Soletra esse Verso (2018), Fique em Casa (2020), Linguagens e suas Tecnologias – Manual do Professor (2020), No Cais do Amor (2022), Kimpwanza (2023), A Boca no Ouvido de Alguém (2023), Blasfêmeas: Sangue e Poesia (2024), and Translúcidos (2024).
Her work has also appeared in literary magazines such as Lidilisha, Soletras, Contioutras, Por Dentro de África, Escamandro, Avenida Sul, Mallamargens, Folhinha Poética, Cultural Traços/Alta Cultura, Germinaliteratura, Incomunidade, Literatura & Arte Òmnira, Off The Record, LOLWE, and Mbenga Artes e Reflexões.
She is a member of the Confraria Brasil/Portugal and regularly collaborates with literary projects in Mozambique and other Portuguese-speaking countries.
