Poemas Canções, de U NU
O Castelo do outro lado
“Do outro lado de mim,
há um rio.” A ninfa disse-lhe
ao ouvido (com o doce veneno das palavras).
Foram vê-lo. Ela deu-lhe a boca.
Ele acreditou na travessia, alcançar
o castelo do outro lado. Inventou
um barco. Um remo para ele,
outro para ela. Mas
não atravessaram o Sonho.
Vogaram em círculo, sempre
o mesmo círculo.
Ela não remou.
Do fogo urgente
Onde acontecem a tocar-se
os amantes depõe a verdade dos sentidos,
decaindo sobre as áleas;
são o único vento que
revolve as folhas húmidas, circulando
as pombas necessárias;
(urgente – Fogo!)
para o uníssimo final,
confluem boca
e boca
à exacta combustão
do fogo urgente.
E nós, coroados imperadores do Espírito Santo?
Ligo a televisão “Boa noite” No primeiro canal
as notícias no ar…. (Tosse.) “Perdão, uma marcha
de horrores em fantásticos slogans
louca viola psicológicamente animais
Na guerra santa, milhares de mortos ainda acreditam…”
Obrigado.
Obrigado, eu.
Não, obrigado eu, por essa voz ilusionista
a que temos direito. O chapéu é o véu palatino,o coelho
na faringe.
Educamos as crianças a destruir carros,
casinhas e seres vivos, como castelos de cartas…
já ultrapassamos o limite do programa.
– Quando será o tempo da utopia?
da boa nova da verdade?,
pela cultura da fraternidade,
coroados imperadores do Espírito Santo?
Agora, no exterior, um Pierrot lobo mau repórter
ouve (e quase come) a avózinha da louca.
“Sim, obrigado…”
Nos estúdios, um onanista excitado com a mãe
de todas as guerras…
É a mesma festa com o sangue
do touro. “Parafraseando Eça de Queirós,
piedosamente crivamo-lo de farpas…
mas não o matamos, nem lhe cortamos as orelhas.
Piedosamente não descobrimos em nós o mesmo animal…”
Quando será o tempo da utopia,
o tempo da fraternidade
para todas as espécies e nós,
coroados imperadores do Espírito Santo?
Fernando J. Noronha – Baixo elétrico
José João Cochofel – Bateria
Luis Serdoura – Piano
Ricardo Pereira – Sintetizador
Vitorino Almeida Ventura – O telejornalista crente, o Pierrot lobo mau repórter no exterior e as duas opiniões para amostra popular
Fechados num poema em contrução
A nossa história
é este tempo amarrotado.
Este corpo pi.ca.do, colado
ao papel, r-i-s-c-a-n-d-o,
r|a|s|g|a|n|d|o.
E restam poucas veias, pouco sangue
no tinteiro.
Esta cadeira tem rodas
– escrevemos, re_
escrevemos para o cesto dos papéis.
Pedras de Sísifo,
continuamos
levados pelas nossas próprias mãos.
(Às vezes, odeio esta devoção por Minerva)
Não sabemos, nunca _ _ _ __ _ _
em quantas páginas cabe a solidão,
digo, o coração.

Poemas Canções, de Falo Quente
pHAlo qUENte, digo, Fá-lo quente, melhor: falo quente:
“GuARdaRa(m) esQUEletos nos ARmáRIos”
Na Terra dos Relógios,
a vida são duas velhas: uma, rezando o Terço, matando moscas; a outra, _ _ _ _ _ _ _ _ a língua e a cara num frenético vaivém: Todos os caminhos vão dar a algum tempo perdido… mesmo o suicídio. No largo, conversas e passos têm as horas marcadas. (Dlim, dlão… tanto bates, coração!).

Retiro-me mudo, às escuras. Deito-me cativo em liberdade…
— mas antes, estendo o olhar. Não compreendo as minhas avós, vivendo intensamente os seus últimos segundos: uma, rezando o Terço, matando moscas; a outra, _ _ _ _ _ _ _ _ a língua e a cara num frenético vaivém. —
… e cego, quando verei lá fora, à minha espera, uma Cidade?
(in Da Cidade Neste Corpo, Brasília Editora, 1989).
(…) num carrossel de simulacros,
os Políticos projetam um acordeão/
de ímanes sensuais. Esgrimindo
a falácia dos atores
numa
escada
rolante de sofismas per_
fumados; como camaleões adormecidos,
hipnotizando a dança macabra dos insetos.

Nos trapézios de heras,
lembram cometas em suspensão.
Faz-
-me tão bem
ler o que escreves sobre as águas
que acordo já numa outra Terra.

Platão também haveria de querer
No Azul
O que deixaste sob o tapete d
es_
botado.
_ _ _ mão própria, a meu cuidado:
Que de envelope dourado? Abro, guarda uma chave
E um mapa cifrado em tua letra.

Agarro a lupa e, assinado,
leio: _ _ ELETROCARDIOGRAMA. Meus vasos.

Meu coração em louco movimento.
refugiei-me COM AS PALAVRAS,
onde elas nada significam. É inútil. Falo,
mas apenas um qualquer cão ladra, assustado. Então, subo ao mais alto abismo no teu corpo.
Descubro o sol, espreitando, na parede. Consigo tocar-lhe, mas nunca o alcanço.

Desisto, suado. Adormecido. Acordo depois.
E nem Tu já existes.

Pontapeio os lençóis, desesperado. Descalço, destruo num gesto,
este monólogo ao espelho. Na face, cravo as unhas, purificando-a com esse sangue.
Sei, enfim, que estou vivo.

Vitorino Almeida Ventura was born in Porto in 1962. He learned rhythm and poetry from his paternal uncle. He collaborated with the newspaper Comércio do Porto, and published in fanzines and literary supplements. He holds a degree in Modern Literatures, specializing in Portuguese Studies and Law. He attended the Composition Course at the Porto Conservatory of Music. He formed the group U Nu, with whom he released the album A Nova Portugalidade (“The New Portugalness”), considered one of the albums of the year by the newspaper Público. He also joined the band Falo Quente, winner of the Best Lyrics Award at the Luso-Galician Rock Festival in 1988.
He has published several books since 1989 and contributed text and voice to the composition 50 Years of April 25 by the label Anti-Demos-Cracia. His artistic, poetic, musical, and performative work is marked by great originality and intensity. The poetic texts published here are also lyrics from the projects U Nu and Falo Quente.
His bibliography and discography include the following works:
1989
• Da Cidade e Deste Corpo – Vitorino Almeida Ventura – Livro (Brasília Editora, PT)
1994
• A Nova Portugalidade – U Nu – CD (Numérica, PT)
1998
• Memórias de Ansiães (Vol. 2) – Vitorino Almeida Ventura – Livro (audEo, PT)
2000
• Oficina de Letras: Selecção de Textos e Comentários – Carlos Tê, Manuel Cruz, Regina Guimarães & Vitorino Almeida Ventura – Livro (Clube de Língua Materna, PT)
• Point Of Yucca volume three – U Nu + V/A – CD (Yucca Tree Records, CH)
2002
• Offfffficina de LEtras 2: Selecção de Textos e Comentários – Vitorino Almeida Ventura [coordenação], Sérgio Godinho, Jorge Cruz & João Paulo Simões – Livro (Clube da Rádio, PT)
2006
• As Letras Como Poesia – Vitorino Almeida Ventura – Livro (Objecto Cardíaco, PT)
2007
• Crónicas de Sancho Pança – Vitorino Almeida Ventura – Livro (Afrontamento, PT)
2014
• O Uivo da Matilha: Tributo a António Sérgio e à Rock’n’Roll Radio – Vitorino Almeida Ventura + V/A – Livro+DVD (Edições El Pep, PT)
2022
• Falo Quente – Falo Quente – CD (Pós-80`s, PT)
2024
• 50 anos – 25 abril: Vitorino Almeida Ventura + V/A – compilação no formato digital e de download gratuito (Edição ANTI-DEMOS-CRACIA, PT)
• A Nova Portugalidade 2.0 – U Nu – CD (Pós-80`s, PT)
