Hirondina Joshua: Jugos do rosto

Jugos do Rosto

                                                      Ao Camarada Poeta Luís Carlos Patraquim

                  Ruminando: The Poet Acts do pianista americano Philip Glass

A magia da mão antes do rosto.

O poeta que falou do poema como se fosse um animal não esperou pelos que julgam a lei das sílabas declararem.

Porque um outro poeta disse: ‒ Temos os instrumentos! Então abriu a boca e o mistério o consumiu. Há quem diga que o mistério não pode viver dentro porque é de fora. As coisas de fora vibram intensamente. Por isso a mão implora antes de devorar. Por isso, os lados correm sem parar.

Queria olhar a palavra “perfeição” e o tempo apareceu. A amargura de ter de escrever sem os vidros que vieram antes de eu nascer. O caco-vaso que desintegra os párias.

‒ Oh não! Faça-me valorosa para que consiga o verbo! (Gritava eu desesperadamente num outro lugar). Faça-me valorosa para poder entrar nas escadas escaladas para os que nunca pediram.  

Aqueles que perderam a voz quando saídos do ventre. Por milagre aconteceu-lhes a mão.

Como a mão pintou o rosto?

Era uma criança tímida, parecida com outras crianças do bairro. Mas como era uma criança de perto não tinha que ser tímida. Porque alguém soprou sobre o ouvido a dar instruções de como habitar perto dos pais e das mães e dos irmãos e das irmãs mas, e depois esqueceu-se de dizer como se habita no próprio corpo, e foi.

Foi para que o poema surgisse de repente. Não. De repente, minto. É um mito.

O poema não pode surgir de repente.

Ele veio com a criança. Mas veio antes da criança.

E pintou todo o bairro quando a criança nasceu.

A mão depois do rosto.

                     Transmutação

O pior do escuro não é a morte, são os olhos,

Que escurecem como se fossem candelabros cheios de água.

Outro dia, as fotografias não cabiam.

A luz da câmara não cabia no corpo.

Era porque as luzes não podiam por lei se encontrar.

Nem no branco, nem no preto.

                                   *

Os olhos voltam a olhar.

Mas não voltam a ver-se.

Resgatar o rosto.

Emergir na língua das trompas

Pelos sinais

Deixados no centro do pai.

Alguma cinza colorida na mão direita.

Uma cinza que pensa e grita como as criaturas dos desenhos:

Feitas para crianças que sangram devagar.

‒ Se voltasse a escrever não seria um livro.

Repeti isto, fiz como depois do telejornal:

‒ Seriam águas a sair das minhas mãos.

Emergir na imersão

Sem o rosto?

O meu pescoço e a minha garganta levantavam belos depois das máquinas.

Hirondina Joshua, foto de Carlos Manhique

Hirondina Joshua (Maputo, 1987) is a Mozambican writer, poet, and jurist, and a member of the Mozambican Writers Association (AEMO).

Since 2016, she has been publishing works in prose and poetry, standing out for her experimental, metaphysical, and deeply poetic writing. She is the author of the books Os Ângulos da Casa, Córtex, Câmara de Ar, and Como um Levita à Sombra dos Altares.

She regularly takes part in international literary meetings, fairs, and festivals, and also collaborates on writing, editing, and literary promotion projects—developed both individually and in partnership with other authors and institutions, at national and international levels.