












DENTRO DAS IMAGENS
Os poemas têm veneno na boca
Na estrada da minha vida
plantei a árvore
sem saber quem era.
Em que parte do planeta
há mais ódio? A matéria
erosiva transforma o corpo
e não há regresso. Não
restará um monte de estrume.
Em todo o lado
parece que o mundo em desordem
pouco a pouco enlouqueceu
e os homens atam a corda
à espera que aconteça.
São infelizes
mas não o suficiente.
Não sabem dizer
por que se esquecem de amar.
ESTRADA CRIVADA DE PREGOS
Agora
o meu dever
é criar condições
para retardar
o declínio.
Agora
o meu dever
é fazer de conta
que isto tem sentido.
Há muitos versos
que não devo escrever.
O silêncio
é alegria e tristeza privadas.
Não creio
mas espero o progresso
durante o meu declínio.
Os dias passam
amar ou falecer
não são completamente diferentes.
O coração
massa viscosa
músculo brilhante
feio de tão nojento.
Agora é mesmo assim
fiz o que fiz.
Desolação e júbilo
o círculo intermitente
da vida de todos.
Uma espécie de fábrica
onde rolam as peças
na linha de montagem.
Desistir
nunca destroçado.
No lamaçal
a floração é prodigiosa
cintilante de tão viva.
Diria até
que tem um brilho
capaz de amortecer a paisagem.
As árvores
também parecem irreais
exibem infinita frescura
e solidão.
Desprende-se o pólen
é certo. Mas
há uma secreta devastação.
Folhas iguais a brasas luzindo
estremecem ao vento
à chuva.
O PÓ NEGRO DA CIDADE
As árvores das grandes avenidas
estão cheias do pó negro
do ruído da cidade.
Somos peças da engrenagem;
o homem dos impostos, os trolhas,
o funcionário do banco
que fala comigo, porque se aborrece.
Todas as manhãs, o aspirante
a poeta cumpre um horário
à mesa do café.
Motorizadas, raparigas fumam
a caminho do emprego. O gasóleo
dos transportes públicos e dos
automóveis mais potentes. O luxo
exibido ao fim da tarde. Passam
grupos de pretos
elegantemente vestidos, passeia-se
a loira da hospedaria.
As outras,
pobres, dementes, sentam-se na berma
da estrada. E, no shopping, na loja
de vídeo um velho de aspecto reles
com gel nos cabelos e gravata vermelha.
O pai de família com a sua máquina
de filmar, os cartões de crédito,
o automóvel a prazo.
Saem das barracas, dos bairros
infectos, crianças que emigram
para junto dos semáforos. Vendem-se
na rua adolescentes ainda
de aparência saudável.
Comboios apitam, o vento mudou,
nublou-se o céu. O povo tem
uns trocos, vai a todo o lado.
Tem aquele gosto ofuscante
no vestuário e cospe para o chão.
Na classe política muitos javardos
aprendem com o livre trânsito.
Aparentam serenidade, apenas
um sorriso para encobrir a vergonha,
a pobreza de sermos tão sós. Os hotéis
de luxo repletos de turistas
da Comunidade. Vestem calções,
calçam chinelos de piscina, sentem-se
à vontade na pátria de Camões.
Os rapazes pedem moedas para o almoço,
o jantar, colam-se aos carros, não admitem
a privacidade do cidadão. Andam drogados,
já muito doentes, a boca podre.
Ainda existe o engraxador
perto da estação. Palito entre os dentes,
umas garrafas misturadas ao ofício.
O advogado, o doutor em letras
atravessam a praça compenetrados
na importância do seu papel. O fato,
a gravata, a pasta a estoirar
de documentos. Talvez no meio da confusão
haja uma carta sentimental, a foto
do filho recém-nascido: um futuro
qualquer para iludir a vida mercantil.
TRAGÉDIA E PARAÍSO SEMPRE
O poder redentor das palavras
bala no coração até ao fim
mineral escondido no poço
escuridão no olhar dos amantes.
Crianças vestidas de beleza
estrada cega de luz.
Heróis amarrados a si próprios
rio parado no lodo
tirania do desejo ou privação
a loucura brilhando no rosto.
VOLTAR AO REAL
No triunfo identifica-se a traição.
Melhor será ir ao fundo
procurar debaixo das árvores
na textura da raiz a peste letal.
Falamos todos os dias
cada palavra pode ser uma facada.
Dizia-se e diz-se que não acontece nada:
O pai de família
deixou os sapatos junto ao poço
de madrugada na lama.
Não se podia nomear a palavra
senão o funeral não se fazia.
Era enterrado como um cão.
O filho gatuno
o louco escondido
preso na cave
no galinheiro
reduzido a excremento.
E o doido star
grande paranóico
violador
fantasma da aldeia. O desenterrado.
O ex-marido
insone
cisma até acabar
com aquela que jurou diante do altar
e não cumpriu.
Depois
o irmão mais robusto humilha os outros
fá-los cair
e até mata para ver como é.
Por vezes o avô
vítima de uma erecção
prolonga a visita ao zoológico
e lembra-se de cuidar da neta
do neto deficiente ainda é melhor.
Os casos famosos de castração
canibalismo e necrofilia
são extravagâncias.
Importa a vulgaridade: matança
matança todos os dias.
Facas
caçadeiras
paus
barras de ferro
– criatividade sem limites.
O belo horrível da insanidade.
Numa terriola do interior
mataram à paulada um jovem adulto.
As forças da ordem não queriam saber
disse o povo na televisão
cortou-se o mal pela raiz.
Só a Mãe chora o seu demente.
Sozinha na campa.

Isabel de Sá was born in Esmoriz in 1951. She holds a degree in Fine Arts/Painting from the Faculty of Fine Arts of the University of Porto. She has been exhibiting her paintings since 1977.
In 2005, she gathered in the volume REPETIR O POEMA (Repeating the Poem), published by Quasi Editions, Vila Nova de Famalicão, all the poetry she had published since 1979.
She is represented in the 16th edition of the History of Portuguese Literature by António José Saraiva and Óscar Lopes; in the Dictionary of Portuguese Literature (1st edition) by Álvaro Manuel Machado; in History of Portuguese Literature by Óscar Lopes and Maria de Fátima Marinho (The Contemporary Currents 7. The 70s and 80s, Poetry), by Fernando Pinto do Amaral, Alfa, 2002; and in Portuguese Poems – Anthology of Portuguese Poetry from the 13th to the 21st Century, selection, organization, introduction, and notes by Jorge Reis-Sá and Rui Lage, preface by Vasco Graça Moura, Porto Editora, 2009.She is also represented in the recent anthologies:
THE ONE HUNDRED BEST PORTUGUESE POEMS OF THE LAST ONE HUNDRED YEARS, organized by José Mário Silva, Companhia das Letras, Lisbon, 2017;
OF THE BODY: OTHER HABITATIONS, organized by Ana Luísa Amaral and Marinela Freitas, Assírio & Alvim, Lisbon, 2018;
MANU SCRIPTA, Anthology of Handwritten Poems / 90 Years of the Portuguese Society of Authors, Glaciar Publishing, Lisbon, 2018;
MUJERES POETAS – VOCES DE MÉXICO & PORTUGAL, selected by Tania Jasso Blancas & Sandra Santos, Ediciones Eternos Malabares, Mexico, 2018.
O REAL ARRASA TUDO (Reality Devastates Everything), Elogio da Sombra Collection, directed by Valter Hugo Mãe, COOLBOOKS/Porto Editora, Porto, 2019;
THE JOY OF DOUBT, anthology organized by Graça Martins, Exclamação Publishing, Porto, 2021;
SEED IN HOSTILE SOIL, Officium Lectionis, Porto, 2022;
LO REAL LO ARRASA TODO, Asociación Cultural Garvm, Spain, 2023.
Selected exhibitions:
2002 – 25 Years of Painting, Dois Gallery, curated by Jaime Isidoro – Porto;
2017 – 40 Years of Artistic Career, Artes Solar Sto. António Gallery – Miguel Bombarda Gallery Circuit – Porto;
2018 – Centenary of Amadeo de Souza-Cardoso, Municipal Museum of Espinho;
2019 – Jaime Isidoro Collection – Cerveira and Municipal Museum of Espinho;
2024 – Private Visit / Pre/Post Visual Declinations of the 25th of April – Serralves Museum (curated by Miguel von Hafe Pérez); Contemporary Art Center – 50 Years: Democracy Experienced (curated by Miguel von Hafe Pérez), MNSR, Porto; Post Scriptum on Joy – Almeida Garrett Library (curated by Rita Roque and Jorge Sobrado); II Biennial of Contemporary Art of Trás-os-Montes – Linha D’Água (curated by Ágata Rodrigues).
She was an invited artist at the International Art Biennials of Gaia, the 40 Years of the Cerveira International Art Biennial, and the XXI Cerveira International Art Biennial (2020).
Her work is represented in private and institutional collections, including:
Serralves Museum of Contemporary Art, José Rodrigues Sculptor Foundation, Cerveira Art Biennial Foundation, Jaime Isidoro Collection, and collections of Mário Cláudio, Eugénio de Andrade, Valter Hugo Mãe, Tomás Carneiro, José Mário Brandão, among others.
Awards:
1983 – Nadir Afonso Prize – Chaves Biennial.
