Vítor Oliveira Mateus

               a casa

o poema não é uma casa

onde me instale

com bagagens retortas sufocos

uma casa com janelas entaipadas

paredes com vidros e pontas d’aço

cadeados de muitas voltas

o poema é uma casa de planta às avessas

com estacas de plasticina

nela habitam desejos

fantasmas assombros

que alimento e agasalho

é uma casa com pedras de muitas cores

nela todos os dias nasço

morro

mas sempre recomeço

          aula prática

identifica os obstáculos

todos os obstáculos

ignora o riso fácil das musas

quando em fogo

se acoitam nas bermas e nas praças

aprende a repugnância das coisas fáceis

pequeninas insignificantes

que em nada te acrescentarão

percorre o teu tempo

despojado

indiferente sereno

vira o olhar na direção do Sul

sacode o pó das sandálias

e

por fim

constrói a tua casa

no outro lado do caminho

nesse lugar onde ninguém passa

poema para o fim dos tempos

aqui

nesta casa em ruínas

mudou jesus a água em vinho

(há ainda – no lado de fora –

um baixo relevo narrando o milagre)

aqui

através das colunas danificadas de al-mina

observei eu o azul turquesa do mediterrâneo

o voo das andorinhas e das garças

o verde do mato rasteiro

alinhado até aos pinheiros e aos cedros

aqui

uma antiquíssima igreja maronita

cobria de sombra samambaias e violetas

mas hoje

aqui

nem milagres nem garças nem maronitas

apenas bonifrates desorbitados

com um cérebro que nada alcança

nem vida

nem alma

nem esperança

      teresa

             para maria teresa horta, in memoriam

há uma linha vertical

que se levanta

visando o absoluto

uma linha não seccionada

sem vacilações

sem cedências

uma firmeza

apenas encontrada

(porque a homogenia

não é coisa de mortos)

por dedicações extremas

e uma generosidade

que sempre inundava

próximos e distantes

há uma linha vertical

que se levanta

que se levanta

mas também fica

nos invendáveis gestos

dos que ousam

      shani louk

                             in memoriam

já não podes voltar às águas de eilat

nem refletir nelas teus olhos

inocentes e ávidos de paz

já não podes rir nas discotecas de tel aviv

ou sonhar universos distintos

na orla flamejante do mediterrâneo

já não podes regressar ao sagrado

dos templos

à sombra refrescante das oliveiras

das figueiras

cujos frutos te adoçavam a alegria

agora

agora não passas de um corpo

com um tiro no crânio

abandonado numa casa esconsa

como um fardo sem préstimo

e tudo isto

tudo

porque dançavas

porque invocavas a paz

na terra ensolarada de re’im

Victor Oliveira Mateus was born in Lisbon and holds a degree in Philosophy from the University of Lisbon. He has published 13 books of poetry and 3 novels. In 2013, he was awarded the Eugénio de Andrade Prize by the Brazilian Writers’ Union of Rio de Janeiro. In 2017, he was granted the title of Distinguished Guest (Huésped Distinguido) of the city of Salamanca by its City Council.

In poetry, he received two Honorable Mentions in the Glória de Sant’Anna Prize and was a semifinalist for the 2019 Oceanos Prize. The Advisory Committee of the XXVIII Ibero-American Poetry Encounters of Salamanca awarded him the Alphonso Ortega Carmona Prize in 2025.

Several of his books have been translated into Spanish and published in Spain and Mexico. His works have appeared in Spain, the United States, Brazil, Mozambique, Mexico, Ecuador, Italy, Romania, Puerto Rico, and Macau. He has directed literary magazines and participated in numerous literary festivals.

He is a member of the Portuguese PEN Club, where he has served on the board, and of APCL (Portuguese Association of Literary Critics). He is also a collaborator at CLEPUL (Centre for Lusophone and European Literatures and Cultures at the Faculty of Arts, University of Lisbon).