a casa
o poema não é uma casa
onde me instale
com bagagens retortas sufocos
uma casa com janelas entaipadas
paredes com vidros e pontas d’aço
cadeados de muitas voltas
o poema é uma casa de planta às avessas
com estacas de plasticina
nela habitam desejos
fantasmas assombros
que alimento e agasalho
é uma casa com pedras de muitas cores
nela todos os dias nasço
morro
mas sempre recomeço
aula prática
identifica os obstáculos
todos os obstáculos
ignora o riso fácil das musas
quando em fogo
se acoitam nas bermas e nas praças
aprende a repugnância das coisas fáceis
pequeninas insignificantes
que em nada te acrescentarão
percorre o teu tempo
despojado
indiferente sereno
vira o olhar na direção do Sul
sacode o pó das sandálias
e
por fim
constrói a tua casa
no outro lado do caminho
nesse lugar onde ninguém passa
poema para o fim dos tempos
aqui
nesta casa em ruínas
mudou jesus a água em vinho
(há ainda – no lado de fora –
um baixo relevo narrando o milagre)
aqui
através das colunas danificadas de al-mina
observei eu o azul turquesa do mediterrâneo
o voo das andorinhas e das garças
o verde do mato rasteiro
alinhado até aos pinheiros e aos cedros
aqui
uma antiquíssima igreja maronita
cobria de sombra samambaias e violetas
mas hoje
aqui
nem milagres nem garças nem maronitas
apenas bonifrates desorbitados
com um cérebro que nada alcança
nem vida
nem alma
nem esperança
teresa
para maria teresa horta, in memoriam
há uma linha vertical
que se levanta
visando o absoluto
uma linha não seccionada
sem vacilações
sem cedências
uma firmeza
apenas encontrada
(porque a homogenia
não é coisa de mortos)
por dedicações extremas
e uma generosidade
que sempre inundava
próximos e distantes
há uma linha vertical
que se levanta
que se levanta
mas também fica
nos invendáveis gestos
dos que ousam
shani louk
in memoriam
já não podes voltar às águas de eilat
nem refletir nelas teus olhos
inocentes e ávidos de paz
já não podes rir nas discotecas de tel aviv
ou sonhar universos distintos
na orla flamejante do mediterrâneo
já não podes regressar ao sagrado
dos templos
à sombra refrescante das oliveiras
das figueiras
cujos frutos te adoçavam a alegria
agora
agora não passas de um corpo
com um tiro no crânio
abandonado numa casa esconsa
como um fardo sem préstimo
e tudo isto
tudo
porque dançavas
porque invocavas a paz
na terra ensolarada de re’im

Victor Oliveira Mateus was born in Lisbon and holds a degree in Philosophy from the University of Lisbon. He has published 13 books of poetry and 3 novels. In 2013, he was awarded the Eugénio de Andrade Prize by the Brazilian Writers’ Union of Rio de Janeiro. In 2017, he was granted the title of Distinguished Guest (Huésped Distinguido) of the city of Salamanca by its City Council.
In poetry, he received two Honorable Mentions in the Glória de Sant’Anna Prize and was a semifinalist for the 2019 Oceanos Prize. The Advisory Committee of the XXVIII Ibero-American Poetry Encounters of Salamanca awarded him the Alphonso Ortega Carmona Prize in 2025.
Several of his books have been translated into Spanish and published in Spain and Mexico. His works have appeared in Spain, the United States, Brazil, Mozambique, Mexico, Ecuador, Italy, Romania, Puerto Rico, and Macau. He has directed literary magazines and participated in numerous literary festivals.
He is a member of the Portuguese PEN Club, where he has served on the board, and of APCL (Portuguese Association of Literary Critics). He is also a collaborator at CLEPUL (Centre for Lusophone and European Literatures and Cultures at the Faculty of Arts, University of Lisbon).
